terça-feira, 10 de agosto de 2010

Duas velhas, um Bicho peludo e meia ladainha

Duas velhas, um Bicho peludo e meia ladainha
Por Zé Alípio Martins

Que já não me bastasse tanta história que já se contou sobre Lobisomem, Lua cheia e aparições na Quaresma e o senhor ainda me vêm com mais uma?
- Sim! Mas é verdade...
- Não quero duvidar não! O negócio é que tem gente que não acredita nessas coisas.
- Sim, eu sei. Só que dessa vez...
Certo dia, quando caminhava à noite no sentido da igreja pras rezas da Semana Santa, me apareceu no caminho duas senhoras. Imaginei que , assim como eu, eram devotas das “Moções Fúnebres ao Senhor Morto”, pensei então que, dessa vez, o caminho ia ser mais curto e prazeroso...
Dona fulana e Dona Cicrana... Vou chamá-las assim, pois, mesmo dando boa noite e anunciando minha graça elas não responderam. Uma apenas murmurou! E a outra, balançou a cabeça! Eram esquisitas! Vestiam-se nuns panos compridos que se arrastava pelo chão amarrado por uma faixa que cobria do ombro à cintura... Daquele jeito que Nirinha de Dedeco desfilou de “Rainha do Milho”. Lembra!
Um lenço grande em tom azulado e outro num encarnado de doer, cobria-lhes a cabeça. Pareciam os usados na brincadeira do Pastoril. Só que, Natal já passou, faz tempo!
Carregavam em umas das mãos um cajado de madeira, que mais parecia uma estaca de varar jigo de bode e na outra as pontas dos tais lenços, que não deixavam a gente enxergar nem a metade da cara das velhas.
Caminharam mais de meia légua e caladas! Sem puxar assunto algum... Nem comigo e nem com elas mesmas!
Resolvi caçar conversa, porque já notei que esse povo daqui é meio desconfiado e cheio de nove horas.
Moram por aqui mesmo?
Estão indo pra igreja?
Mas, será o Benedito! Que pessoal estranho é esse?
Ao passarmos por aquele pé de arvoredo alto, que de dia se destaca ao longe, e o pé de serra que fica na boca da mata, ouvi um gemido estranho! Como a noite era de lua crescente, quase cheia e a visão era boa pra qualquer direção, não carece medo algum, mas, por intuição, apalpei a lateral da calça em busca do cinto pra ver se havia trazido, pelo menos, meu canivete, corri a virilha e nada.
Já viu! Troquei a calça e na hora de botar o cinto não me lembrei do danado!De toda a maneira, já era alguma coisa!
Em certos casos, só confio mesmo é no meu parabelo... Como ia pra igreja, não costumo carregar. E o pior é que o Padre observa tudo! E se notar, passa o maior sermão.
Da próxima vez... Trago e escondo em algum lugar. Mas, não venho sem meu facão. Estou me sentindo nu.
O gemido ficou cada vez mais alto e próximo.
Comadres, que mal lhes pergunte? Vocês não tão ouvindo essa coisa ai, fazendo esse VRRUUNNM...Não? Vocês são surdas?
As velhas apertaram os lenços, baixaram os queixos, reclinaram o corpo e apertaram o passo... Tudo igual. Num sincronismo perfeito, como se fosse “passos de dança!” Um “tropear” ensaiado. Mesmo jeito, mesma cadência, mesma maneira e mesma direção! Parecia que uma era à sombra da outra!
VRUUUNMMMM. Novamente o gemido!
Fiquei aperreado. Virgem, Maria Santíssima!
Sempre gostei de caminhar à noite... Mas, nunca ouvi coisa parecida.
Entre uma prosa e outra sempre alguém conta causos chegados a esses tempos de Quaresma... Assombração, lobisomem, mula sem cabeça, boitatá, alma penada, visagem... É coisa... Só que te garanto, nunca havia presenciado.
Sempre gostei da noite...
De ver aqueles bichinhos que durante o dia não saem, e às noitinhas passeiam, se alimentam. Uns comem insetos, outros frutinhas, outros caçam... O olho desses bichos parece que só enxerga na escuridão! O sol lhes dá cegueira. Mesmo assim, são belos! Cantam! Piam!...Em um alarido triste.
O passo estava avexado de um jeito que parei pra respirar. Aproveitei bocejei e, como era de costume, logo após fiz o sinal da cruz, com a ponta do polegar... Menino! O bicho pegou.
As Donas olharam pra trás, começaram a sacudir o corpo, tremendo que nem vara verde e num abrir e fechar de braço que deixaram até os tais lenços caírem ao chão...
Que coisa feia era aquela? Um cabelo ralo, que só pasto fraco. Um pó branco grudado nas ventas. Umas caras de maracujá murcho dos diabos. Uns zóios fundos, avermelhados que nem tição em brasa... E, de repente, subiu um bafo de enxofre com ovo gôro que quase que boto os cachorros n”água.
Virgem Santa! Me acuda! Soltei um grito.
Foi então, que um clarão bonito, feito centelha de trovoada, riscou na minha frente.
O bicho que gemia o tempo todo caiu dum galho, em carne viva e o resto do pêlo fumaçado.
Parecia mais, uma espécie de bode ou um cachorro grande, um Urso não era! Pois, acho que não tem desses bichos por aqui. Quem sabe um carneiro lansudo...
As velhas se abraçaram contentes, que pareciam dançar ciranda, uma piegas, uma catira...
E dessa remueta dos pecados, as duas com um único cajado fizeram esse verso a quatro mãos.
“Viemos por Maria, proteger os seus ais
E por São José, te trazer a luz
Foges ligeiro do bicho voraz
Como o inimigo “foge da cruz.”
Não contei dois tempos! Dei um salto por cima do bicho. Descambei ladeira abaixo! Pulei coivara! Ruma de espinho! Saltei três fios de cerca! E vim parar aqui. Na porta da Matriz.
O povo que já sentado, aguardava em silêncio, o Vigário. Tomaram um susto e fizeram o sinal da cruz!
Dona Inez, aquela beata chata, foi a única que disse.
- Respeite a casa de Jesus.
Também... Cheguei com a cara assustada e os cabelos arrepiados, esbaforido, estropiado, língua pra fora, suado, calça rasgada e a camisa faltando um botão!
Me apoiei num daqueles bancos compridos, que ajudei a envernizar pra Quermesse da Festa do padroeiro São José, e respirei...
Mas o descanso durou pouco!
Ao olhar pro altar, do lado do caixão do “Senhor Morto”, vi duas velhas que ao me verem cobriram o rosto com o véu.
Que perseguição!
Olhei pro canto do banco e achei um terço esquecido. Arrebatei-o bem ligeiro que quebrei o danado no meio fazendo a maior parte das contas pararem no chão. Me restando somente, dois “Pai Nosso”, e uma “Ave Maria”.
Todavia, pra garantir o estorno, resolvi dar em dobro e me prostei a rezar! Pedir ao Anjo Clemente, aquele que protege a gente dos viventes e das almas penadas, dos bichos e dos maus agouros, das pestes e dos zóio grosso...
Só não pedir mais, por não ter reza a oferecer. Então jurei em adquirir um terço novo, banhar todinho a ouro e por no mesmo lugar.
Que nessa “Semana Santa”, possamos ter compaixão e paz em nosso lar.

Cordel pra Mariana

Mariana,

Interessante...
Ainda a pouco, conversava com a Dona da pousada aqui onde estou morando e falava de você... Ela também tem uma Mariana! Mas, na conversa logo percebi...

Não! Não é igual a minha.

Não tem a mesma alegria.
Não tem a mesma festa.
Nunca quebrou o queixo
Nem tampouco a testa.

Nunca teve um machucado
No braço ou mesmo na perna
Não fala pelos cotovelos
Nunca brincou de boneca

A minha não!!!!

Corre, sobe,desce e pula.
Sempre foi danada e sapeca.
Comandava uma tropa inteira
De meninas numa conversa

“Não sei a quem puxou essa minha Mariana!!!”
Pois de tudo sabe um pouco
Nos deixando admirados.
Açoitados e quase loucos

Ajeita e pinta unhas
Estica cabelo e trança
Corta e alisa na chapa
Maquia, enxágua e lava

Pensei outro dia em perguntar-lhe
“Mariana você, também, faz barba?”

Passa, varre e cozinha
Desde os tempos de criança
“Meu pai compre um cuscuzeirinho”
Ainda guardo na lembrança

É tirada a artista
Gosta de desenhar
Pinta quadros faz pulseiras
Piano e percussão já quis tocar

Tem dias quando a preguiça
Alcança a Mariana
Fica numa maresia
Que quase não sai da cama

“Não quer fazer nada”
Retruca sua irmã Carol
Levantou sem ajeitar a cama
“Somente dobrou o lençol!”

Há, pouco tempo atrás
Pra levantá-la bem cedo
Copiei de meu pai uma maneira
Do pé, puxar o dedo

Então ia se contorcendo
Feito minhoca em lambança
Levantava com uma cara dizendo
“Meu pai, não vejo graça nenhuma”

Gosta de praticar esportes
Daqueles bem radicais
Pequeninha já patinava
Bicicleta? “É pros normais”

Natação e futsal
Já é coisa bem constante
Que tal escalar a serra?
Da “Mantiqueira” nesse instante!

Com tantos atributos ela prova
Que tamanho não é documento
Pois só conseguiu passar
De metro e meio, até o momento

Mas isso, não vem ao caso...
Peço a Deus na lembrança
Que te der saúde e paz
Pois o mais ela alcança

Pra tanta sabedoria e beleza
Oriente o seu caminho
Dispondo a seu lado
Um anjo também “danadinho”

Pras horas de piruetas
Servir-lhe de todo amparo
Nas horas dos escorregos
Segura-la pelos braços

Nos momentos de dúvida
Trazer-lhe esclarecimento
Nos momentos de tristeza
Servi-lhe de acolhimento

Nos momentos de dor
Massageá-la com o bálsamo divino
Para as enfermidades à cura
Como fizeram a Jesus menino

Pois acredito que todos nós
Dado por nosso senhor
Tem pelo menos um anjo
Um anjo protetor

Que segundo a oração
Que se aprende de menino
Ele segue os nossos passos
E vai abrindo o caminho

Como na cultura popular
A oralidade a preserva
Traço a minha versão
Sem arrodeio e aresta

Pois o que vale é a intenção
Ou então a necessidade
Mas saiba que é de coração
E com muita sinceridade


“Santo anjo do senhor meu zeloso guardador...
Por baixo das suas asas e bem escondidinho
Carregue um saco de afeição
E, outro de carinho.

Um monte de paciência (pode ser mesmo, aquela de saco)
Um vaso de “água benta”
Pra lhe tirar os engasgos.

Um par de óculos escuros
Pro sol quente de verão.
Pois a minha Mariana
Adora essa curtição

Um lenço, um sombreiro
Ou mesmo, um chapéu de palha
Protetor solar...
E, mais algumas outras tralhas.

Ah! Sim... Chuteira e um par de meias
E pomada pras pancadas.

Espero que não esmoreças
Por meu pedido tamanho
Sei que a empreitada é dura
Mas você... É ou não é “Anjo”

Quebre esse galho pra mim
Pois me encontro um pouco distante
Busco nesse texto arredio
Salvar-lhe é do vexame

Pois se o Mestre te confiou à piedade divina...
Sempre a guarde
A governe
E te ilumine

Às duras penas... Das suas asas
Cumpra seu papel

Amém.

Em tempo de Carnaval

EM TEMPO DE CARNAVAL...

MORAVA NUM SUBÚRBIO
E ERA UM LUGAR FESTIVO E DIVERTIDO.
EU ERA MENINO E ERA CARNAVAL...

BLOCOS AO NASCER DO DIA
NUM IMPROVISAR DE FANTASIAS
SAÍAM ÀS RUAS BATENDO LATAS

BEBOS E CACHAÇAS NA PRAÇA
ALGAZARRAS E ARRELIAS
SENHORA QUE DA IGREJA SAÍA
SINAL DA CRUZ FAZIA
E NO CANTO DA BOCA DAVA RISADA

CORRÍAMOS PRA DENTRO DE CASA
A ENCHER DE ÀGUA UM VASO PLÁSTICO DE DESODORANTE
DIZENDO SER LANÇA PERFUME PRA MOLHAR AS CARETAS

CONFETES E SERPENTINAS AOS POUCOS ERAM LANÇADOS
DAS PARCAS SACADAS QUE POR ALI HAVIA

MAIS TARDE UMA BATUCADA "QUASE ORGANIZADA"
MOSTRAVA UNS SAMBAS QUE NINGUEM ENTENDIA
ACHO QUE SE TRATAVA DE REPERTÓRIO NOVO
EXCLUSIVO PARA AQUELE CARNÁ

GATO QUE SUMIU DO TELHADO
EXPÕE SEU PÊLO MARISCADO EM MEIO A TANTOS OUTROS
COMO NUMA METAMORFOSE CONSEGUE DESFILAR E SER BICHO IMPORTANTE
PRA ÀQUELE BATICUM-TARATÁTÁ

SURDÕES ESTICADOS À FORÇA BRUTA SÃO ESQUENTADOS AO SOL
BATUQUE DA UMA TRÉGUA E LOGO RECOMEÇA!!!

SEU ALMEIDINHA SERESTEIRO, AGORA É CANTOR DE MARCHINHAS
EXIBE SOBRE SUA IMENSA BARRIGA UMA ENORME CHUPETA
CHAPEL COLORIDO,CAMISA AZUL CINTILANTE, ÓCULOS ESCUROS
PARECE VIR DE OUTRO MUNDO AQUELA ESTRANHA CRIATURA

SEGUINDO A PASSOS DE SAMBA E FREVO
RODAMOS SEM MEDOS MEDO PELAS DESCALÇADAS RUAS
ENTÃO CHEGAMOS AO CLUBE...
FRENTE TODA DECORADA NUM COLORIDO ABRASIVO
JÁ DEMONSTRA SER "TININDO" ÀQUELES DIAS

SEU ARGEMIRO PORTEIRO, REGULA A ENTRADA
BEBOS PRUM LADO, CONHECIDOS PRO OUTRO
SENHORAS COLORIDAS COM SUAS FILHAS SALTITANTES ENTRAM RAPIDAMENTE
SENHORES NAVEGANTES COM SORRISOS FEMENINOS ENGASGAM E VÃO PASSANDO.

TÁ COM QUEM MENINO?
RETUCA SEU ARGEMIRO!
MESMO QUE TOMADO DE SUSTO APONTO RAPIDAMENTE
PRA O PRIMEIRO MASCARADO QUE AO TORNIQUETE IA PASSANDO
O CARETA ACENA SEM NADA ENTENDER...
E ENTÃO FICO FELIZ QUANDO O OUÇO DIZER:
-VAM'BORA MENINO!!!
E NUM SUSPIRO RESPONDO:
VALEU!

E assim... Nasceu Jesus

E assim... Nasceu Jesus
Por Zé Alípio Martins

Meu nome é Armando. Armando Nascimento de Jesus. Fui Batizado com esse nome, pois nasci quase aos vinte e cinco de dezembro. Na verdade fui registrado nesse dia.
Quase que eu não nascia!
Minha mãe estava tão fraca como a luz do candeeiro que iluminava a sala da casa de Dona Maria parteira, assim contou vovô Manoel...
Não era meu avô de verdade!
Era avô de todos nós meninos e meninas daquele lugar esquecido.
Gostava de usar um pequeno chapéu de couro e enfrentar espinheira, inverno e verão.
De olhar tenro e coração fraterno costumava, nesta época, nos presentear com brinquedos que ele mesmo fazia: carrinho de lata, pinhão de madeira, badogue (botoque) de forquilha de araçá...
Em uma noite sem lua, onde somente as estrelas servem de guia, minha mãe se contorce de dor.
- Acho que é hoje Zé.
- Vou arrumar a carroça.
Logo - logo estávamos acendendo a trilha apagada pela poeira desses dias quentes.
Carroça puxada por nosso jegue “mimoso”.
Flor de cajueiro perfumando a estrada.
E a pressa de chegar...
No embate de pedra e raiz, lá se vai o eixo da danada.
- Vamos ter que seguir no lombo do jumento.
O desconforto é ainda maior e o velho “mimoso” parece compreender e amacia os passos.
- Esse animal vale mais de cem conto!
Resmunga meu pai.
Uma luz cruza com a gente numa baixada.
- É a caminhonete de algum Dotô fazendêro!
- Mas, tão com pressa!
Dão boa noite. Um desejo de “Bom Natal”! E seguem...
Mais uma légua e avistamos uma casinha simples.
Um cachorro vira-lata com seu latido fino anuncia a nossa chegada.
Mais perto, já se ouve o som de lata d’água a encher bacia. Chinelo a siscar o chão.
Então foi assim...
Meu pai prometeu que se eu me criasse iria me registrar, me batizar e me crismar no dia do santo menino.
Me ensinar a armar Lapinha apanhando barro em beira de brejo e confeccionar as figuras do Presépio.
E assim cresci...
Armando até hoje o nascimento de Jesus.
Casinha simples. Senhora na varanda. Cachorrinho seco esturricado do lado de um jeguinho cansado. Um homem chamado José e sua mulher chamada Maria e um menino bem magrinho, bem magrinho, chamado Jesus.

Estresse X Avexamento...


ESTRESSE X AVEXAMENTO
REZA X FALTA DE ALEGRIA

Por sinal no tempo de meu pai não tinha esse tal de estresse ou no inglês stress como queira.
Tinha outro nome ou era outra coisa!!
Quando “o cabra” tava meio avexado, ansioso, de mau humor, sem esportiva... O povo recomendava rezar...
Mas, não era pra ele rezar não!
Ficar de joelho diante do seu santo protetor.
Era pra ele procurar Dona Maria das plantas, uma velha rezadeira e se dispor a umas sete cipoadas de ervas.
Ouvir daqueles lábios trêmulos palavras seqüenciadas em murmurinho, que ninguém entende o que é , palavras que cominam com o amém. Amém!!!
Entre folhas chegando em pé e saindo murchas.
Testa da véia suando, que só cuscuz de feira... E pronto!
O quebranto foi pro espaço!!!
Mais umas rezas pra evitar os "zói grosso".
Quatro “Vé Maria” e sete "Padre nosso”, “prus arrependimento.”..
E você sai dali novinho!
Leve, feito algodão de rabada de arraia.
E tinindo, como panela areada ao sol.
Cheio de alegria, passa na bodega de qualquer Zé e toma uns tragos.
Ouve uns causos e conta outros...
Joga um carteado ganha uns trocados e deixa outros.
Conta umas piadas, dar umas risadas e segue feliz.

O povo olha e logo comenta:
- O cabra passou inda agora, tristonho, zambeta, cabisbaixo...
- E já ta surrindo!!!
- É rapa...
- Se bem não fizé "má num faiz".

Estresse??? Que se dane!!!


Pedido ao Santo!

Pedido ao Santo!
Pedido feito, compromisso cumprido!
Por Zé Alípio Martins

Quando se gosta de um Santo não importa o tamanho da imagem que se tem em casa... Apesar de ter gente que faz de tudo para obter “um santo maior”, do que deveria possuir!
E, em sendo assim, e por isso mesmo! Foi a maior confusão na freguesia do Padre Miguel.
Dona Almerinda, primeira Dama, esposa do Seu Prefeito, depois de tanta oração, pedidos e graças alcançadas, solicitou ao marido que providenciasse uma imagem do padroeiro em tamanho natural. ”Grande como se fosse gente”.
Seu prefeito, o ilustre representante do povo, e também, rezador de noventa, trezena e até batizado de boneca, não hesitou ao pedido e encomendou ao Agenor Santeiro, renomado fazedor de Santo lá da capital, a maior imagem que pudesse confeccionar.

Pedido feito, compromisso cumprido!

E assim chegou o dia.
Comitiva pronta. Carro, da prefeitura, arrumado...
- Só vamos passar antes na casa de fogos ”Explosão”, pra comprar umas dúzias de foguetões importados e convidar Modesto pra açoitar os danados.
Combina o motorista Jovino.
Seu Modesto Fogueteiro, “Soltador de Rojões” sempre foi presença marcante nas alvoradas festivas, campanhas políticas e campeonatos de futebol.
- É bom levar um colchão pro Santo vim deitado. Sugestionou D. Almerinda.
- É mesmo. Concordou Seu Prefeito.
Caminhonete arrumada. Viagem iniciada... Mais algumas horas... E, estavam na cidade.

Pedido feito, compromisso cumprido!

Não deu tempo pra muita coisa! Foi só pra passar no Banco, pra tirar a dinheirama do homem, bater uma pinga pra limpar a garganta da poeira... E, correr pra ”Casa do fazedor de Santo”.
- Rapaz, não é que o senhor é bom mesmo. Tá linda! Ficou ótima.
Elogio de prefeito é pedra certa a ser cantada. Logo tem mais.
- Cuidado ai, minha gente!
Cheios de dedos, enrolaram o santo todo! Jornal velho, espuma de colchão e um punhado de algodão por baixo da cabeça.
- Tá pronto! Embalado pra presente. Afirma Jovino.
- Jovino, você vai lá em cima. Passe o olho no Santo. Ordena o prefeito.

- A viagem , de volta, vai ser mais longa. Salienta Modesto.
- Santo Antonio livrai-nos da buraqueira da estrada, costela de vaca, mata- burro e das galhas caídas.Faz oração o prefeito.
- Amém!Em coro, os dois respondem.
Na boca da noite avistaram a cidade... As luzes da gambiarra da Praça da Matriz anunciavam o tempo de festa.
Depois da curva do entroncamento deram uma parada.
- Desce ai Modesto, e solta meia dúzia de pra anunciar a chegada!
Modesto desceu, acendeu um “bode” e sentou a madeira

Chaaabú.
Esse não deu nem sinal de vida.
- Tenta outro. Ordena.
Rááááá´ti bum – tra tá tá bum.
Esse sim! Deu pra ouvir até na China, onde foi fabricado.

Pedido feito, compromisso cumprido!

Satisfeito com o foguetório continuou viagem... Vez em quando, não se contentava em confiar a atenção de Jovino ao Santo. Torcia o pescoço seguidamente dizendo.
- Tá tudo bem ai?
- Sim Seu Prefeito. O Santo tá bem!

Na entrada da cidade, foguetório novamente.
A comunidade apreensiva aguardava com “cadeiras na calçada”.

- O Santo do prefeito acabou de chegar!Todos diziam.

A igreja badalava pra o início da trezena... Vigário pronto estreava a sua batina nova. Presente do prefeito, pras comemorações desse ano.
Foguetório comendo no centro...

Trarará ti buum. Trata bum, bum pá.

Flecha caindo e separando as velhas telhas das humildes moradias daquele povo.

- Quando passar as festas vai ver! Vai ser umas goteiras danada. Assuntava Dona Clotilde, esposa do candidato derrotado.
- Isso é dinheiro do povo, minha gente! Fazendo o gosto da mulher dele. Contestava o vereador de oposição.
- Acende outro, Modesto. Que lá vem o padre.

Cigarro na “peinha”, quase queimando as pontas dos dedos e já foi...
Chuuuá... Ti bum. Tra, tá taã tá.

- Vamos descer o Santo. Anuncia o Prefeito.

Puxa daqui, desenrola dali...

- Rapaz, os homens gastaram quase um rolo de cordão!
- “Cuidado que o Santo é de barro”.
- Jurava que fosse de bronze! Admirava-se Dona Ziza, beata antiga.
- É...! Mas, mandei caprichar.
- É quase do tamanho da gente. Faz sinal de afirmação com a cabeça
.
O vigário com ar de surpresa se aproxima.
Vaso de “água benta” na mão... Incensador na outra...
Então o Santo é erguido e ali mesmo no meio da rua, Dona Almerinda conclama.

- Chega gente. Vamos rezar que o vigário vai benzer o Santo..

- Êpa! Não posso não.
- Não pode o quê, Seu vigário?
- A senhora me desculpe, mas não posso benzer essa imagem.
- Mas tá linda!
- Eu sei... Mas nessas condições, não posso!
- Seu padre... Já mandei construir um altar, bem no meio da sala, na largura e altura certa... Tenta convencer o prefeito.
- Seu prefeito, não é por isso não...
- Mas será o Benedito!
- É que esse Santo é grande demais. Tenta justificar o padre.
- O que é que tem isso?
- O “Santo Maior” tem que ser o da paróquia, pois é o protetor de toda a comunidade.
- Oxente! De onde já se viu isso?
- São normas do Clero.
- Quem é esse sujeito?
- É o Bispo.
- Então, pode começar. Pois da última vez que ele esteve aqui, saiu de bucho cheio.
-Não posso. Além do mais... Faz tempo que eu peço ao senhor a reforma da paróquia e nada.
- Sim, mas não é horas pra isso! Ajeite as coisas que amanhã a gente conversa.
- Não!Não posso descumprir as leis da igreja.
- É que eu nunca ouvi falar nisso...
- Só benzo a imagem se o senhor prometer ao Santo de joelhos.
-Na Hora. Diz o Prefeito e se ajoelha.

Pedido feito, compromisso cumprido!

Muita gente desconfiava que esse Santo fosse mesmo pra pagar pedido feito pela Primeira Dama pra o casório da filha acontecer...

- Uma moçinha, daquelas, sem graça, desengonçada, desprovida de qualquer belezura e que a muito estava encalhada... Logo se casou com aquele rapazote bonito e namorador...
–E que não quer nada!
- Só anda de moto pra cima e pra baixo.

Interrompe o prefeito.

- Se é então por isso, assumo o compromisso diante do povo e do meu Santo Antonio querido e, se o senhor consentir, começo as obras amanhã mesmo. Nem que tenha de vender uns dez burregos, vinte garrotes e duas dúzias de galinhas!
- É verdade! Dona Almerinda já havia feito de tudo!
-Ouvi dizer, que certa vez ela pegou o pobre do Santo, retirou-lhe o Jesus menino e prometeu somente devolve-lo no altar do casamento da filha.
- Ah! E o povo fala que a viu colocar uma imagem toda amarrada de fitas dentro do rio.
- Me disseram que a filha, botava o bichinho de cabeça pra baixo debaixo da cama e só andava de sapato com o nome do besta preso na sola!
- É... Mas, a promessa mesmo é essa ai! Mandar trocar, pra não dizer comprar, um Santo desse tamanho, benzer e prender arriba do altar da sala grande
- E ela tem que cumprir antes que passe o santo dia.

Continuavam nas remoetas, as beatas.

- Fique tranqüilo Seu Padre. Tá combinado? Pode começar.
Dona Almerinda não pestanejou e logo puxou a reza.

“Glorioso Santo Antonio
Orai pro nobis.
Glorioso Santo Antonio
Atendei aos nossos apelos...

Meu glorioso Santo Antonio de Pádua
Por minha graça agradeço...
Kyrie Eleison
Kyrie Eleison


Continuou...
Pelo coroado que cingiste
Pelo hábito que vestiste
Orai pro nobis
Pecata mundi

Pelos milagres que ainda tendes que fazer
Que não durmais, não sossegue, nem paraste, nem repousastes em qualquer canto.
Por minha graça alcançada te dou pouso e morada no meu humilde lar...

O Padre se deu por convencido... E, tome água benta pra dentro.
Sacristão sacode o incenso... E é água e fumaça pra todo lado.

- Seu prefeito! Olhe seu compromisso diante do Santo. Suplica o vigário.
-Não se preocupe! Amanhã mesmo toco a obra. E assim que ficar pronta mando fazer um Santo que cabe até o senhor dentro.
- O senhor sabe como é esse povo... Daqui a pouco vão apelidar o padroeiro de Toinho!
- Fique tranqüilo.

Pedido feito, compromisso cumprido.

E não é que foi verdade!
Reformas começadas... Continuadas... E... Concluídas.
Tudo nos conforme cujo combinado.
Igreja ampliada e um Santo Antonio enorme.
Nas caladas dos acertos do prefeito com o padre...

- É só o senhor entrar, ficar quietinho e ouvir os pedidos do povo.Anota e traz pra mim... E a gente dar um jeito.

A fama de milagreiro foi logo se espalhando pela redondeza!

- Dona Antônia pediu meio milheiro de bloco. Seu Antenor, um, saco de cimento. Dona Zefa pediu um emprego (na prefeitura) pro filho desempregado. tem um par de esporas pro Zeca Vaqueiro. Carro pipa pras molhagens. Bicicletas, óculos de grau, sapato de salto, botas, cama,vestido de noiva,noivo,noiva remédio pra gripe,reumatismo e até fralda pra menino.Passagem pra são Paulo, vacina de bezerro, coleira pra cachorro, tela pra galinheiro,enxada e facão de marca jacaré, boné, camiseta de time, sacola, bolsa e até “dentadura pra os veios boca murcha”.

Só não atendia aos pedidos impossíveis como os do velho Libório.
.
- Mas home! Ele tá querendo o que?
- Virilidade eterna.
Pedido feito, compromisso cumprido.


E foi um sucesso a estratégia do prefeito.
Cidade cheia o ano inteiro, comercio movimentado, gente chegando, comprando, comendo, rezando e fazendo os pedidos.
Na medida do possível realizando o prefeito ia deixando as coisas nas portas.
Para o padre a freguesia ia aumentando, igreja enfeitada, de flores cheirando

- E o povo?
- Fazendo os pedidos.

Porém como toda “cidade que se preza”, tem sempre um bebo chato...

Certo dia, quando o padre havia acabado de chegar, deu de cara com Zé Litro...
Bafo azedo como caroço de carnaúba, mal trapilho, pés inchados, olho grosso...

- Seu padre. Resmungou em suspiro.
Quero ver se esse Santo é bom mesmo! Quero fazer meu pedido.

O vigário nem lhe deu atenção e saiu.
Zé litro chegou bem perto à imagem, tirou um resto de chapéu que lhe cobria o juízo, ajoelhou-se e quase dormindo resmungou alguma coisa, bocejou, levantou- se e saiu.
No dia seguinte... Do mesmo jeito... Bocejou e saiu.
O padre que até então não havia demonstrado interesse em saber o desejava o bebum do Zé , começou a ficar curioso.

- Amanhã chegarei mais cedo e brucutu dentro da imagem pra ver o que ele deseja.

Dia seguinte... A mesma coisa... Olho fundo, pés inchados...
De repente, bem baixinho a meia boca, fez um pedido meio rimado.

“Seu Sant’ Tonho
Quero que o senhor me favoreça.
Amanhã termina o prazo
Coce os bolsos
Se não lhe quebro a cabeça”
.
O vigário que bem conhecia a fama do Zé quando enchia a cara, buscou logo esconder a imagem por trás da cortina da sacristia e pôs em seu lugar a velha e pequena imagem pois...” Se quebrar não faz diferença”.
Como imaginado... Bem cedinho...
Zé Litro! Lavado e carregando na mão uma marreta.
Pedido feito, compromisso cumprido.

Furioso foi se aproximando do lugar onde ficava o Santo...
Torceu o nariz, esfregou os olhos fazendo careta e com seu hálito impregnado da maldita,foi logo bem alto dizendo.

- Ô Toinho! Vá lá dentro chamar seu pai pra trazer meus quinhentos contos. Se não vou arrebentar tudo.

Assustado, o padre surgiu de repente dizendo.

- Meu filho, o que é isso? Aqui é a casa do senhor!
- Calma “Seu Pade”, só vim ter um acerto com o Santo!

O padre pensando em livrar-se do problema... Puxou da batina dez contos e lhe ofertou.

- Tudo bem! Disse o bêbado.
- Amanhã... Diga a ele... Pego o restante bem cedo.



Maceió, 13/jun/2010



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